A certeza que eu tenho do dia que se passou é que tinha um gato preto em cima de minha casa, acho que ele dormiu comigo e eu não vi. Faltou dinheiro pro pão, o telefone resolve bloquear, até minha unha quebrou, e como se não bastasse, no fim da noite ouço gritos na rua, era a vizinha brigando com a amante do marido, oxalá o gato tenha pulado pro telhado dela e eu já estava mais tranquila apesar de tudo. A vida tem dessas coisas e a gente tem mesmo é que se acostumar e tratar bem o gato, só isso.
Carros desgovernados, um cavalo carrega a mudança de uma idosa na rua de trás, o preço do tomate aumentou, a tarde tem cheiro de acarajé e eu procuro calma.
Meus dias são assim nessa cidadela que agora preciso considerar minha. Mas tenho que me acostumar com as insanidades que existem. Semana passada apareceu um corpo, no rio que corta a cidade, e aquilo tirou meu sono por três noites, até hoje tenho lembrança do que eu vi, o vestido que ela usava era azul, um azul cruel, amargo. Foi o cenário mais louco que enxerguei durante esse tempo em Cachoeira; é tanto estrago que minha vontade é voltar para casa. Tá, eu sei que lá não é muito diferente, mas a presença da minha mãe me faz sentir protegida e eu não vejo nem presencio tanta agonia.
Um dia vou sentir falta dessa tormenta, para outros calmaria, sinceramente eu não consigo entender porque as pessoas sentem-se calmas aqui dentro. Sei que quando tiver bem distante vou lembrar saudosamente desses caminhos de pedra, das casinhas coloridas, do cachorro a sombra de um velho chevete azul e de ouvir também seu Zezé com aquela voz rouca e velha falando que mais uma vez o tomate subiu. O tomate, o feijão, o milho...
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